Ursula Tautz Ursula Tautz

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Atopos – a utopia _ pesquisa

O projeto consiste em criar um Atopo, termo cunhado pelo teórico e arquiteto norte americano Peter Eisenmann, uma arquitetura do estar entre, entre algum lugar e lugar nenhum.

Cresci  entre culturas completamente diversas, por isso sempre experimentei um deslocamento, uma sensação de ser estrangeiro na própria terra.

Na busca por uma terra mãe, retrocedi em minha diáspora familiar: do Rio de Janeiro a Ullersdorf an der Biele (1) a Santa Cruz do Sul (2), e por fim de volta ao Rio de Janeiro.

Dormindo sob mansardas, fazendo as refeições em salas sagradas rumo a um tempo perdido.

Tentando deslocar estas cidades, ligar os três destinos e abrir um rasgo, criar um entre. Um lugar para pertencer, sem na verdade pertencer a lugar algum.

Ao ligar as três cidades, traçando uma linha, criei uma marca gráfica. Deslocando-a para a paisagem das cidades, defini o Atopo.

São três cidades, três pontos ligados pelo entre. O Atopo tem três pontas.

Os tripés me acompanharam durante todo o percurso. Toda mansarda é um tripé. Cada cidade tem seu tripé.

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Os lugares me expulsaram, eu não pertenço a lugar algum. Por isso o Atopo surge como um lugar de convívio, uma sala de refeições onde todos podem participar. Três mesas e três cadeiras unidas por uma cerejeira. Um tripé do acolhimento.

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​O balanço aparece como objeto poético para simbolizar o não pertencimento. Sob o tripé, ele atravessa o acolhimento, suspende, não permite o enraizamento. Balança cada um de uma vez, sozinho, atravessando o tempo.

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​​Para chegar ao tempo perdido, já que Ullersdorf não existe mais, foi necessário atravessar portais. Recriando as espessuras das experiências vividas, as noções de história, memórias e pertencimento.

A passagem foi possível através das memórias herdadas, que capturei :

A cerejeira, seu tronco e seus frutos;

As janelas e suas verdes vistas;

Os pássaros.

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​A memória é uma paisagem contemplada de um comboio em movimento (O vendedor de passados José Eduardo Agualusa, pg153)

(1)Ullersdorf an der Biele, Silésia, Alemanha, era uma aldeia alemã localizada na Baixa Silésia, hoje não existe mais, chama-se Ołdrzychowice Kłodzkie, e localiza-se em Śląsk, Polônia. Em 1945 toda a Silésia foi ocupada pelo Exército Vermelho soviético, que expulsou a população alemã (4 milhões antes da 2a.Guerra) e assentou poloneses, muitos dos quais também expulsos das áreas anexadas pela União Soviética. A Conferência de Potsdam determinou a fronteira da Alemanha  com a Polônia nos rios Oder e Neisse (linha Oder-Neisse), assim a parte da Silésia a leste dos rios Oder e Neisse foi devolvida à Polônia.

(2)RGS, Brasil


Somos  5 mulheres, 4 gerações.

Levamos conosco a crença particular, cultura e língua mãe.

Filhos das diásporas,

Somos 5 mulheres sós. Só mulheres.

“Ligadas pelos elos que nos ligam a uma ilha específica”(2)

Tentando nos sentir em casa. Na busca do lugar sagrado, congelado no tempo.

Terra mater.

Num país constituído pelas migrações, miscigenações, somos resultado destes movimentos, sofrimentos.

São várias mulheres, muitas gerações.

Eu sou Alice (3), em busca da casa de minha avó. Em busca de minhas raízes, eu poderia ser um personagem de Wim Wenders (4), de Sophia Copolla (5) ou viver nos “Cenários em Ruínas” de Nelson Brissac (6).

Por pertencer a uma família de imigrantes, cresci em um não-lugar , em meio a tradições e culturas perdidas em outro tempo-espaço.

Ouvindo histórias longínquas contadas no sopé da cama, sempre almejando o retorno redentor àquela terra prometida, o seqüestro daquele tempo-espaço como estrutura sólida e durável.

Sempre na busca de me sentir em casa, já que não era mais possível voltar para casa, pois a cidade imaginária, o lugar da identificação e do pertencimento já não existia.

Como aplacar estes eternos vazios, esta condição pós-moderna de ser estrangeiro na própria terra, estranho familiar?

Refazendo os caminhos percorridos por minha família, na tentativa de unir as cidades e memórias por onde passaram, tento alterar esta inquetação, este certo mal-estar permanente.

Ao experimentar esta vivência decidi construir um atopo, que para além da soma destes três lugares é um novo lugar. Um lugar para habitar. Quem sabe a partir daí seja possível acessar outro tempo-espaço e pertencer finalmente à algum lugar.

Se Unbehagen (7) é desconforto, Behagen é prazer.

Se Unheimlich (8) significa não pertencente ao lar, não estar em casa e também soturno, estranho; Heim é lar, casa, Heim gera Heimat , cidade natal, pátria.

Estas palavras geram adjetivos como heimisch, pertencente ao lar, nativo, familiar, heimlisch,  que por sua vez adquiriu o significado de escondido, secreto, perdendo sua ligação ao Heim. Geheim, também  derivado de Heim, teve o mesmo destino, ligando-se a Geheimniss, segredo, mistério.

Então talvez seja possível desbravar os mistérios destas “terras exóticas como se fossem familiares, misturando o próximo e o longínquo, o passado e o presente. Tudo –tanto que está na frente quanto ao fundo visto ao mesmo tempo.” (9)

(1) KITAJ, Ronald B., First Diasporist Manifesto, Thames and Hudson, Londres,1989

(2) HALL, Stuart, Da Diáspora – Identidades e medicações culturais. Editora UFMG,  Belo Horizonte, 2003

(3) refiro-me ao filme Alice nas Cidades do cineasta alemão Wim Wenders

(4) Wim Wenders, cineasta, dramaturgo, fotógrafo e produtor de cinema alemão nascido em 1945

(5) Sophia Copolla, cineasta e roteirista norte Americana, nascida em 1971

(6) refiro-me ao livro Cenários em Ruínas –a realidade imaginária

contemporânea de Nelson Brissac Peixoto, editora Brasiliense, São Paulo, 1987

(7) conceito cunhado pelo criador da psicanálise Sigmund Freud, título original de seu livro “Mal-estar na civilização”, que afirma que a repressão de nossos instintos e prazeres pela civilização levam-nos cada vez mais a um desconforto crescente.

(8) conceito cunhado pelo filósofo alemão Martin Heidegger, descrito em seu livro     “Ser e Tempo”. Para Heidegger Unheimlichkeit não é um sentimento psicológico, mas uma dimensão fundamental do Dasein. A falta de morada é nossa condição primária e nos impele a procurar um lar.

(9) PEIXOTO, Nelson Brissac. Paisagens Urbanas, São Paulo, Editora Senac São Paulo, 2003.