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Objeto-balanço _ textos

Fluidostática

Isabel Portella

Ursula Tautz, inspirada no universo do Palácio do Catete, ocupa agora o  espaço interno da Galeria do Lago  com a instalação Fluidostática, pensada especialmente para o local.  A arte contemporânea, instigante e com narrativa própria, dialoga com a história do país, permitindo reflexões que perpassam o poder e o equilíbrio, o medo e a sedução, o passageiro e o permanente. 

 O balanço, objeto poético utilizado pela artista em muitos dos seus trabalhos, traz em si o conceito de movimento, de impulso controlado, de liberdade lúdica.  Mas quando Ursula posiciona os balanços em um espaço restrito, inibindo seu movimento natural, modifica sua função primeira e direciona o foco das atenções para o inverso.  Na instalação, o equilíbrio estático é necessário para que a tinta dos jarros não se espalhe. Qualquer ação descontrolada pode levar a um derramamento de tinta.  A tinta azul de escrever, das canetas tinteiro, das assinaturas, das cartas e declarações.  Os presidentes que passaram pelo Palácio do Catete deixaram suas marcas em tinta azul de caneta tinteiro. O poder assinou e redigiu, com tinta azul, declarações de guerra, cartas de despedida, leis e decretos.  Qualquer desatenção podia levar a um derramamento de sangue.  Um fluido sempre escorre quando forças deformantes lhe são aplicadas.  Tinta, água, sangue são fluidos, substâncias que devem estar em movimento para resistir a forças aplicadas externamente.

  Fluidostática é o estudo estático dos fluidos. Ursula Tautz escolheu assim nominar a mostra de sua arte. O projeto Fluidostática apresenta através da tinta de escrever uma metáfora sobre o poder, um jogo de equilíbrio frágil e perigoso, silencioso e sedutor que habitou o Palácio do Catete.

 Em Ursula vislumbramos a inquietação e a procura incessante por seu lugar de ser e estar.  A busca por raízes que possam fixar o que insiste em voar, como balanços.  O habitar e o pertencer são questões que permeiam a obra dessa artista que sempre experimentou um deslocamento, uma sensação de ser estrangeira em sua própria terra.  Mas que também, ao criar, se deixa envolver pela  poética de ser brasileira.


Sólidos e Fluidos

Marcelo Campos

 “Ursula Tautz vem desenvolvendo experiências artísticas vivamente interessada nos conceitos de memória e narrativa. Os trabalhos apresentados em distintos meios e categorias, tais como objetos, filmes, desenhos tornam-se componentes para a ocupação dos espaços tendendo ao uso da instalação. Em certos caminhos, Ursula pensa a história dos lugares e projeta-se sobre as mesmas. Assim, vemos a artista se relacionar com a paisagem, de lugares estrangeiros, mas que são de algum modo, parte de uma história familiar, ainda que tais histórias venham configurar uma memória pessoal  não vivida, mas, sim, transmitida pela oralidade de seus ancestrais.

 Na exposição Fluidostática, realizada na Galeria do Lago, no Museu da República, Rio de Janeiro, a artista se dedicou às contradições do imaginário palaciano, austero, mas que, ao mesmo tempo, se cerca de um imenso jardim. Temos, as visões da própria condição da modernidade, pastoral e urbana, austera e fluida, como sólidos que não resolvendo as dicotomias (burguesia e proletariado, poder e direito), se desmanchassem no ar, parafraseando Marshall Berman. Com isso, o poder, as normas e leis decididas e firmadas interessaram à artista, pois se está ocupando um palácio que fora do governo, residência de um Presidente da República, quando o Rio era a Capital Federal.

 Ursula, então, se dedica a pensar os estados da matéria, os sólidos e fluidos. Assim, lança mão de objetos e líquidos sígnicos e cênicos, como balanços, vidros e tinta de caneta. Toma-se a decisão de ocupar a galeria com 18 balanços, onde pousam grandes vasilhames de vidro preenchidos pelo azul diluído da carga de caneta. As associações são variadas, a primeira e mais direta se liga ao uso da assinatura, da firma, do gesto de se promulgar e impor e, ao mesmo tempo, da garantia de presença e poder exercida nas regras exercidas, segundo Foucault, nas extremidades, muitas vezes “ultrapassando as regras de direito”. Em outra medida, a presença dos balanços nos incita o pensamento das incertezas, do gesto infantil, do momento em que não se controla o corpo, mas, se aceita o risco, o torpor. Inevitável pensarmos nos azuis de Yves Klein e no Alviceleste de Márcia X.

 De tudo, fica evidenciado, na produção de Ursula Tautz, as forças contrastantes, lidando com pesos e flutuações, o repouso do corpo e o movimento e a velocidade do brinquedo. Estamos diante de iminências, ameaças, prenúncios, ainda que a obra nos forneça belas imagens.”

                                                                                                                                                Marcelo Campos


Estamos todos tentando nos sentir em casa (R.B.Kitaj)

Isabel Portella

 Com a obra Estamos todos tentando nos sentir em casa, Ursula Tautz traz a política do pertencer, da busca do lugar de origem, almejado paraíso. Cinco balanços de madeira, cada um com uma cidade desenhada em furos na sua superfície, são bordados com fios dourados. Os desenhos incompletos, sugerem caminhos por fazer ainda, histórias a serem contadas em busca de um final. Em tudo encontramos uma trajetória de vida, locais por onde a artista passou, viveu e de onde herdou lembranças. Da Polônia para o Brasil, a estrada leva a várias cidades afetivas que agora Ursula fixa com delicadeza; sem, entretanto, demonstrar fragilidade. Diferentes dos bancos, balanços são instáveis e sugerem voos; os da artista, entretanto, estão costurados entre si. Pertencer, estar em casa, poder contar a sua história ancorado num terreno só seu são anseios do ser humano que Ursula traduz em sua obra.

                                                                                                                                                  


Mas que as asas enraízem e que as raízes voem (Juan Ramón Jimenez)

Isabel Portella

 Um dos principais e mais lindos espaços de arte e cultura no Rio de Janeiro, é sem dúvida, o Museu da República, no Catete. Se o Museu é um sucesso de público, mais ainda são os Jardins do Palácio que se espalham por uma área de 12.000m2 e proporcionam aos inúmeros visitantes momentos de tranquilidade em meio à agitação do bairro. Quem por ali passa, tão acostumado está com as velhas árvores, o lago, as pontes e os bancos onde sentam crianças e idosos que nem se dá conta de que esse lugar já foi palco de inúmeros episódios da nossa história. Nobres e presidentes passearam pelas alamedas, viram esculturas de bronze, a gruta, chafariz. Tombado em 1938, o jardim já passou por reformas, mas guarda a beleza original criada por Paul Villon, discípulo do paisagista francês Glaziou,

responsável por diversos projetos na cidade do Rio de Janeiro, como o Campo de Santana.

 Intervenções Bradesco ArtRio vem propor aos visitantes do Palácio do Catete um novo olhar, mais atento, mais interessado sobre esse espaço que é comum a todos. Obras de diversos artistas irão dialogar com a natureza local, não só refletindo a própria diversidade, mas oferecendo uma possibilidade que traduz o pensamento artístico do nosso tempo. A arte sem paredes como suporte,sem limites, sem portas de entrada, ganhando jardins e parques, proporciona diferentes e incontáveis leituras. Interage com os que por ali passam, despertando a curiosidade levando, certamente, à reflexão sobre o papel das manifestações artísticas no

cotidiano de uma cidade frenética. A intenção é deslocar da rotina,

Surpreender, inverter o tempo real em favor do tempo da arte.

 Quem observar a sobras espalhadas pelos jardins do Palácio do Catete vai incorporar essas imagens e o seu caminho estará, para sempre, modificado.que acontece fora das centralidades do mundo contemporâneo, na terceira margem, chega ao contrapiso colorido das canoas nordestinas.

 E a gruta e os gramados e pedras, e as alamedas e os tamarindeiros …as raízes das árvores criarão asas….. estarão conversando sobre arte, sobre vida, sobre tempo e ritmo interno. Todos poderão participar dessa fruição e compreender que a arte tem também uma função social, mágica que reflete o ambiente e o pensamento artístico contemporâneo.