Outros atravessamentos _ textos
Campo Dormitório
Keyna Eleison
São apenas camas, são apenas objetos de madeira, tecido, metal e plástico que vemos como uma cama. E é um convite.
Um convite ao descanso, um convite ao momento horizontalizado de ser no mundo.
Um convite para nada fazer.
Uma ativação de sono, de descanso, mas ativa como meditação, algo nos fala a estar atenta, estar presente, pensar, ainda que sonhar.
O trabalho, trabalhar, para ativar, o que está no entorno.
Trabalho de arte que nos faz mover através do movimento de deitar.
Não me conte nada, preste atenção, estamos aqui.
Campo dormitório. Para que os sonhos venham depois de sair. Um convite para sair a partir de um conforto, de questionar o que é conforto, de onde podemos colocar o valor do descanso, da qualidade de quanto queremos estar aqui no mundo.
Não importa a cidade, não importa a forma, não importa o material, importa a verdade. Vamos deitar.
Frestas por onde Muros escoam
Ursula Tautz
FRESTAS POR ONDE MUROS ESCOAM é uma instalação composta de três pirâmides de terra, vergalhões de latão e três cadeiras em madeira, que pertenceram à casa de meus pais.
A instalação, no Jardim da Reitoria da UFF, pretendeu reforçar a idéia da impossibilidade de conter o curso dos acontecimentos.
Construída a céu aberto, e exposta a sol e chuva, a expectativa era que a obra se transformasse no decorrer do tempo.
A terra escoaria entre os vergalhões, que fincados ao chão formando grades no entorno das pirâmides, não constituiriam obstáculo ao aterramento. E as cadeiras se deslocariam de seu lugar inicial, o centro das pirâmides.
Na pós-globalização todos os esforços impeditivos de fechamentos e de proteção, opressão das diversidades e contaminação estão fadados ao fracasso.
Tornou-se impossível conter os movimentos de expansão.
O centro já não existe mais.
Mas ao final de 45 dias o trabalho apresentou outras questões. O fato foi, que a vegetação no entorno cresceu sobre a terra, estruturando os morros e impedindo seu desabamento. E as cadeiras, equilibradas sobre as pirâmides, que somente perderam altura, continuaram centrais.
Esse inesperado desdobramento me levou a questionar o pensamento motriz e as consequentes expectativas em relação ao trabalho: Os movimentos de contaminação não são ou ocorrem como esperamos, eles acontecem mais lenta e sutilmente, chegam por outras vias. O centro persisite e as fronteiras balançam, mas se mantém.
nos qui Credimus nos uiuos esse? Nós que nos acreditamos vivos?
David Cury
Trata-se de uma intervenção de arte que ambiciona a captura de um certo espírito alemão – aquele entendido como uma entidade temporal, variável conforme as contingências históricas.
No caso o loco de intervenção é o Portão de Brandenburgo, situado na Pariser Platz, em Berlim.
Uma tal captura imaterial vai envolver uma noção de pintura como “ sudário”, ou seja, o corpo humano é o agente ativo de produção de imagem. A operação de arte consistirá de impressões dos corpos ( de cerca de 1000 alemães vivos ) sobre tecido de algodão. Este número é emblemático da Alemanha atual, visto que refere-se ao episódio datado de 4 de novembro de 1989 em que um mesmo número presumido ( 1milhão) de alemães orientais reuniram-se na Alexanderplatz em Berlim Oriental, para reclamar reformas políticas e, por conseqüência, vieram a derrubar o Muro de Berlim cinco dias depois.
Os resíduos desses procedimentos de pintura e ação corporal sobre o suporte orgânico – na forma de “ bandeiras humanas” – serão reunidos ( sob trabalhos de costura em estágios diversos) em uma espécie de lâmina de alta flexibilidade e orientação predominantemente horizontal que, por sua vez, deve interceptar o Portão de Brandenburgo.
A cruz de escala pública que daí resulta visa associar-se, conceitualmente , ao cemitério simbólico de Peter Eisenman, formado por centenas de sepulcros prismáticos vazios, em lote situado à direita do Portão . Embora as “tatuagens” ou “carimbos” humanos se distanciem formalmente da secura geométrica do monumento eisenmaniano, tanto nos qui Credimus nos uiuos esse, quanto o Monumento à Memória dos Judeus Assassinados da Europa, fazem alusão às vítimas locais do sistema político vigente durante a Guerra Fria e durante o Nacionalsocialimo, respectivamente.
Uma outra associação formal possível entre ambas as intervenções de arte e arquitetura referidas está na manipulação simbólica da cor. Das lápides em betão antracite do cemitério conceitual de Eisenman ao carvão usado como matéria de fixação da alma alemã , em sudários, todo um conjunto de significações culturais parece fluir – do sólido ao volátil, da fixidez ao trânsito, ou seja, de um patrimônio material histórico ( as minas que forjaram a Idade Industrial da Alemanha ) à dinâmica financeira contemporânea ( o termo “ carvão “ usada na linguagem coloquial como dinheiro).
Contudo , se a experiência predominante do Monumento à Memória dos Judeus Assassinados da Europa é o luto como veículo de reflexão sobre a história recente da Alemanha, nos qui Credimus nos uiuos esse faz a brancura do algodão – suporte corresponder à “revolução branca” da Alemanha de hoje. A memória aqui, reclama menos introspecção do que abertura, antes transparência do que opacidades – enfim, prospecção em lugar de retrospecção.
Paulo Rubens da Rocha Sampaio
“Pariser Platz, Berlim. No centro histórico, simbólico da capital dos alemães, contra o ocre, o cinza das fachadas e o colorido difuso das ruas, carros e pessoas, várias bandeiras numa bandeira de algodão, branca, de quinze metros de altura por cento e vinte e cinco metros de comprimento, atravessa o vão central do Portão de Brandenburgo, cortando a praça de uma extremidade à outra. Sobre ela, as imagens de corpos, mil corpos numa espécie de grande monotipia em carvão; marcas, registros no pano branco, 20 anos de queda do muro.”
Teoria Humoral ou Teoria dos Quatro Humores
Joffre M de Rezende
A Teoria Humoral ou Teoria dos Quatro Humores constituiu o principal corpo de explicação racional da saúde e da doença entre o Século IV a.C. e o Século XVII. Também conhecida por teoria humoral hipocrática ou galénica, segue as teorias dominantes na escola de Kos, segundo as quais a vida era mantida pelo equilíbrio entre quatro humores: Sangue, Fleuma, Bílis Amarela e Bílis Negra, procedentes, respectivamente, do coração, cérebro, fígado e baço. Cada um destes humores teria diferentes qualidades: o sangue era quente e húmido, a fleuma era fria e húmida, a bílis quente e seca e a bílis negra fria e seca. Segundo o predomínio natural de um destes humores na constituição dos indivíduos, teríamos os diferentes tipos fisiológicos: o sanguíneo, o fleumático, o bilioso ou colérico e o melancólico. A doença seria devida a um desequilíbrio entre os humores, tendo como causa principal as alterações devidas aos alimentos, os quais, ao serem assimilados pelo organismo, davam origem aos quatro humores. Entre os alimentos, Hipócrates incluía a água e o ar. A febre seria devida à reacção do corpo para cozer os humores em excesso. O papel da terapêutica seria ajudar a physis a seguir os seus mecanismos normais, ajudando a expulsar o humor em excesso ou contrariando as suas qualidades.
DOS QUATRO HUMORES ÀS QUATRO BASES
Desde a antiguidade e em várias civilizações, o número quatro tem um simbolismo especial: o da plenitude, da totalidade, da abrangência, da universalidade. Expressa, ao mesmo tempo, o concreto, o visível, o aparente, o criado, ao contrário do número 3, que espelha o transcendental, o espiritual, o abstrato, o divino. Nas palavras de Platão: “O ternário é o número das idéias; o quaternário, o da realização das idéias”.
Esta concepção parece radicar-se no inconsciente coletivo, porquanto o mesmo simbolismo aparece também entre povos indígenas e tribos africanas
Os filósofos gregos da escola pitagórica tinham imaginado o universo formado por quatro elementos: terra, ar, fogo e água, dotados de quatro qualidades, opostas aos pares: quente e frio, seco e úmido. A transposição da estrutura quaternária universal para o campo da biologia deu origem à concepção dos quatro humores do corpo humano.
O conceito de humor (khymós, em grego), na escola hipocrática, era de uma substância existente no organismo, necessária à manutenção da vida e da saúde. Inicialmente, fala-se em número indeterminado de humores. Posteriormente, verifica-se a tendência de simplificação, reduzindo-se o número de humores para quatro, com seu simbolismo totalizador. No livro Das doenças os humores são o sangue, a fleuma, a bile amarela e a água. Na evolução dos conceitos, a água, que já figurava como um dos componentes do universo, é substituída pela bile negra. Admite-se que a crença na existência de uma bile negra tenha sido fruto da observação clínica nos casos de hematêmese, melena e hemoglobinúria.
No tratado Da natureza do homem, um dos mais tardios da coleção hipocrática, atribuída a Polybos, genro de Hipócrates, a bile negra é definitivamente incorporada como um dos quatro humores essenciais ao organismo.
Segundo a doutrina dos quatro humores, o sangue é armazenado no fígado e levado ao coração, onde se aquece, sendo considerado quente e úmido; a fleuma, que compreende todas as secreções mucosas, provém do cérebro e é fria e úmida por natureza; a bile amarela é secretada pelo fígado e é quente e seca, enquanto a bile negra é produzida no baço e no estômago e é de natureza fria e seca.
A doutrina dos quatro humores encaixava-se perfeitamente na concepção filosófica da estrutura do universo. Estabeleceu-se uma correspondência entre os quatro humores com os quatro elementos (terra, ar, fogo e água), com as quatro qualidades (frio, quente, seco e úmido) e com as quatro estações do ano (inverno, primavera, verão e outono).
O estado de saúde dependeria da exata proporção e da perfeita mistura dos quatro humores, que poderiam alterar-se por ação de causas externas ou internas. O excesso ou deficiência de qualquer dos humores, assim como o seu isolamento ou miscigenação inadequada, causariam as doenças com o seu cortejo sintomático.
Segundo a concepção hipocrática da patologia humoral, quando uma pessoa se encontra enferma, há uma tendência natural para a cura; a natureza (Physis) encontra meios de corrigir a desarmonia dos humores (discrasia), restaurando o estado anterior de harmonia (eucrasia).
Este processo se realiza em três etapas nas doenças agudas: apepsia, pepsia (cocção) e crisis. A crisis tem tendência a ocorrer em dias certos, o que levou Hipócrates a estudar os dias críticos de várias enfermidades.
A recuperação do enfermo acompanha-se da eliminação do humor excedente ou alterado. O médico pode auxiliar as forças curativas da Natureza, retirando do corpo o humor em excesso ou defeituoso, a fim de restaurar o equilíbrio. Com esta finalidade, surgiram os quatro principais métodos terapêuticos: sangria, purgativos, eméticos e clisteres.
Galeno, no século II DC, com o prestígio de sua autoridade, revitalizou a doutrina humoral e ressaltou a importância dos quatro temperamentos, conforme o predomínio de um dos quatro humores: sangüíneo, fleumático, colérico (de cholé, bile) melancólico (de melános, negro + cholé, bile). Colérico, portanto, é aquele que tem mais bile amarela, e melancólico, o que tem mais bile negra. Transfere-se, desse modo, para o comportamentos das pessoas, a noção de equilíbrio e harmonia dos humores.
As expressões “bom humor”, “mau humor”, “bem humorado”, “mal humorado” são reminiscências dos conceitos de eucrasia e discrasia.
A doutrina da patologia humoral guiou a prática médica por mais de 2.000 anos e só começou a perder terreno com a descoberta da estrutura celular dos seres vivos graças ao desenvolvimento da microscopia. Os órgãos e os tecidos deixaram de ser considerados como massas consistentes resultantes da solidificação dos humores e passaram a ser vistos como aglomerados de células individuais, adaptadas à natureza e função de cada órgão.
Coube a Rudolf Virchow (1821-1902) estabelecer as bases da nova patologia, fundamentada nas alterações celulares causadas pelas doenças. A milenar doutrina da patologia humoral foi substituída pela patologia celular, o que representou um marco na evolução da teoria e da prática da medicina.
Ao mesmo tempo, o estudo da embriologia e do processo de divisão celular levou à descoberta das estruturas intracelulares, em especial do núcleo, dos cromossomas, dos genes, e, finalmente, do DNA (ácido desoxirribonucléico), substância primordial de todas as formas de vida, aquela que encerra o código genético, define os caracteres hereditários e assegura a continuidade das espécies.
A identificação cristalográfica e química do DNA, que permitiu identificar a sua estrutura helicoidal pode ser considerada um dos feitos mais notáveis da pesquisa biológica.
Na complexidade e diversidade das diferentes formas de vida, uma surpresa: o ressurgimento do número quatro nas quatro bases que integram o DNA: adenina, timina, guanina e citosina. Todos os seres vivos – animais, plantas, bactérias e muitos vírus – são o resultado de diferentes sequenciamentos e combinações dessas quatro bases na dupla hélice do DNA. E as quatro bases, por sua vez, são formadas de quatro elementos químicos: carbono, oxigênio, hidrogênio e nitrogênio.
No dizer do Prof. Spyros Marketos, presidente da Fundação Internacional Hipocrática de Cós, o modelo quaternário da escola hipocrática mostrou-se compatível com as recentes descobertas da biologia molecular.
E Figado e o Humor
O conceito de humor (khymós, em grego), na escola hipocrática, era de uma substância existente no organismo, necessária à manutenção da vida e da saúde. Inicialmente, fala-se em número indeterminado de humores. Posteriormente, verifica-se a tendência de simplificação, reduzindo-se o número de humores para quatro, com seu simbolismo totalizador. No livro Das doenças os humores são o sangue, a fleuma, a bílis amarela e a água. Na evolução dos conceitos, a água, que já figurava como um dos componentes do universo, é substituída pela bílis negra. Admite-se que a crença na existência de uma bílis negra tenha sido fruto da observação clínica nos casos de hematêmese, melena e hemoglobinúria.
No tratado Da natureza do homem, um dos mais tardios da coleção hipocrática, atribuída a Polybos, genro de Hipócrates, a bílis negra é definitivamente incorporada como um dos quatro humores essenciais ao organismo.
Segundo a doutrina dos quatro humores, o sangue é armazenado no fígado e levado ao coração, onde se aquece, sendo considerado quente e úmido; a fleuma, que compreende todas as secreções mucosas, provém do cérebro e é fria e úmida por natureza; a bílis amarela é secretada pelo fígado e é quente e seca, enquanto a bílis negra é produzida no baço e no estômago e é de natureza fria e seca.
A doutrina dos quatro humores encaixava-se perfeitamente na concepção filosófica da estrutura do universo. Estabeleceu-se uma correspondência entre os quatro humores com os quatro elementos, com as quatro qualidades (frio, quente, seco e úmido) e com as quatro estações do ano (inverno, primavera, verão e outono). O estado de saúde dependeria da exata proporção e da perfeita mistura dos quatro humores, que poderiam alterar-se por ação de causas externas ou internas. O excesso ou deficiência de qualquer dos humores, assim como o seu isolamento ou miscigenação inadequada, causariam as doenças com o seu cortejo sintomático.